AÇAÍ: fruto que alimenta, cura e inspira!




A exposição “Um olhar Naïf sobre o açaí”, do artista Luis dos Anjos segue em cartaz até o dia 30 de maio, na Galeria César Leite, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.
Com curadoria da professora doutora Lígia Simonian, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), a exposição traz algumas séries de telas que interpretam elementos da cultura do açaí, um dos frutos mais consumidos no Pará.
Segundo a professora Lígia Simonian, curadora da exposição, Luiz dos Anjos faz um trabalho que apresenta elementos rurais e urbanos do que se pode de denominar de cultura do açaí.

“No meio rural, os destaques são para a coleta, o empacotamento em cestos, o transporte, o beneficiamento artesanal, a gastronomia e o consumo. Mas, também, a dança do carimbó do açaí em barracão; no meio urbano, a compra e venda do produto na Feira do Açaí, o consumo no porto do Ver-o-Peso, a venda de doses de açaí nos festivais, na rua etc.”, explica.

 Natural de Santarém, oeste do estado, Luiz dos Anjos é artista naïf, ou seja, aquele que não tem formação acadêmica na arte que desenvolve. Autodidata, sua obra é marcada pela simplicidade. Já expôs na 11º Bienal naïfs de Piracicaba; no Salão 'Primeiros Passos', do CCBEU; na Galeria do BASA; na Galeria Theodoro Braga e na Galeria Debret, geralmente com trabalhos de temática urbana e sobre a cultura belenense.

Serviço: Exposição “Um olhar Naif sobre o açaí”, até 30 de maio, de 12h às 17h, na Galeria César Leite, na UFPA, campus Guamá.

Fonte:

De quem falamos?
O fruto que alimenta, cura e inspira

Renan Rodrigues da Silva é um jovem abaetetubense de 18 anos que não vive sem o açaí. Todos os dias, no almoço e no jantar, o fruto é o alimento indispensável em sua mesa. "Eu não consigo comer sem o açaí", diz ele. Mas, como explicar hábitos alimentares como esse, tão presentes na cultura de grande parte do povo paraense? O antropólogo e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Romero Ximenes, que estuda o assunto há mais de 36 anos, tem a resposta.

Segundo o antropólogo, o açaí é mais do que um hábito alimentar, ele é identidade, comida, música clássica e popular, romance, aterro de rua, remédio, quadrinha popular, mito, cor de gente, cobertura na agricultura, vassoura, corante, pintura de quadro e outras novas significações que vêm surgindo. Daí a importância atribuída ao fruto sagrado do Pará. "Trato o açaí como um rizoma, metáfora filosófica de origem botânica que Deleuze e Guattari usaram para definir uma raiz que cresce em todas as direções. É com essa lógica que procuro explicar as realidades que cercam o açaí".
A pesquisa mostra, ainda, que o açaí é o único alimento de origem vegetal que é prato principal na comida tradicional do Pará. “Esse fruto tem, no imaginário, uma posição de alimento especial e sagrado. Em decorrência disso, não apodrece, apenas “azeda” e nós comemos e apreciamos o açaí azedo. É uma comida imperecível porque é revestida de uma aura sagrada”, defende o antropólogo.
Mas, como o açaí se tornou tão importante para a construção da identidade paraense? De acordo com o pesquisador, quem domesticou o açaí foram os índios amazônicos, “eu diria que, na Amazônia, os índios são os mestres do saber, porque domesticaram o açaí, a seringueira, o tabaco, a mandioca, a batata, a baunilha e outros vegetais de importância mundial”.
A pesquisa revela que há uma grande incidência botânica nativa dos açaizais nas regiões dos estuários dos Rios Amazonas e Tocantins. São nessas áreas que o fruto cria novos significados culturais, sociais, alimentares, artísticos e econômicos. Porém, essas significações não se estendem a todo o Pará.

. Romero Ximenes mostra que, no século XIX, ele era considerado uma praga, as pessoas atribuíam à bebida o surgimento de doenças, como a febre amarela, a tuberculose e a lepra. “Hoje, o açaí é a ‘solução’ para todas as doenças. Isso é uma construção do imaginário, pois, dos pontos de vista físico, químico e sanitário, a cura não ocorre”, afirma o antropólogo.
O estudo também aponta a pluralidade do uso do açaí. As pessoas utilizam-no, da raiz ao fruto, para fazer contraste radiológico, curar doenças circulatórias e tirar placas bacterianas da gengiva. “Tanto a medicina acadêmica como a popular estão criando uma série de medicamentos a partir do açaí. É a farmacologização do fruto”, informa Romero Ximenes.
“Há cerca de um ano, detectei o uso do açaí como cor de gente ao ouvir as pessoas dizerem: ‘você é uma morena açaí’. Então, as pessoas não seriam mais brancas, negras, mulatas, amarelas. Teríamos um tipo paraense definido como “morena açaí”, diz o professor. Para ele, isso é um desdobramento do rizoma.

“Chegou ao Pará, parou; tomou açaí, ficou"

Romero Ximenes afirma que a identidade paraense é construída a partir do padrão alimentar regional,  simbolizado, principalmente, pelo açaí. Porém, durante muito tempo, os pesquisadores pensavam que não havia uma identidade paraense, porque procuravam identidade na etnia e na raça, “a identidade é, portanto, construída pela comida e não pela etnia”.


De acordo com o antropólogo, a comida do Pará seria nacional por excelência, porque é “autêntica” e de origem indígena, segundo o imaginário regional. “Há uma reivindicação de autenticidade e do caráter único da cozinha paraense, que seria a única brasileira”, explica.
E o provérbio paraense “Chegou ao Pará, parou; tomou açaí ficou”, quer dizer o quê?  Segundo o pesquisador, significa afirmar que o Pará tem uma comida tão fascinante que, ao prová-la, o visitante fica fascinado e assume a identidade paraense.

Alimento é cercado de regras, perigos e rituais

Dependendo de cada região, os habitantes atribuem novos significados ao açaí. Segundo o estudo do professor Romero Ximenes, o açaí tem um sentido de comida sagrada na cultura paraense. Não o sagrado que se relaciona simplesmente a Deus, mas àquilo que é cercado de regras, de interditos, de perigos. “Nas comunidades tradicionais, ninguém toma açaí com cupuaçu, com laranja, com limão ou com qualquer fruta azeda. Ele é um alimento cercado de rituais e de cerimoniais. É um alimento que se toma para, posteriormente, “jibuiar’, ou seja, descansar e dormir”, esclarece. De acordo com ele, esse termo é fundamentado no comportamento da jiboia, que, após se alimentar, fica quieta e acomodada para digerir o alimento.
 
Porém, quando a comida migra para outras regiões, acaba assumindo novos significados. Romero Ximenes diz que, em Ipanema, no Rio de Janeiro; no Guarujá, em São Paulo ou em San Diego, na Califórnia, as pessoas tomam o açaí como um energético. Nesses locais, o açaí é misturado com frutas vermelhas, com chocolate ou com iogurte.
Segundo o pesquisador, o açaí assume posição central na cultura do povo paraense já que nos identifica, “o açaí é o produto de maior valor na região amazônica. Ele é a via de acesso mais ampla para o imaginário e a cultura paraenses, para os processos de classificação e de visão do mundo e, certamente, de identidade. Portanto o açaí é o rizoma da cultura local”. 

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