Água sobe e água desce: o pulso de inundação na Amazônia
Imagine que você está numa floresta. Nesta
floresta passa um rio. Ao seu redor há árvores com vários metros de altura.
Ficando lá durante algum tempo, você ouve o canto das aves, vê macacos,
insetos, e outros animais da floresta. Barcos passam de vez em quando pelo rio,
e você ouve aquele barulho de motor ao fundo. O rio próximo tem vários metros
de distância entre uma margem e outra, e você sabe que lá dentro há peixes,
botos, e outros organismos menos conhecidos, como os macroinvertebrados.
Seis meses depois, você volta exatamente para o
mesmo lugar. Ao chegar lá, você tem uma grande surpresa. Não é mais possível
caminhar por entre as árvores, pois o chão da floresta agora está debaixo da
água. De dentro do barco onde você está, você vê que apenas as copas das
árvores mais altas não estão submersas, criando uma paisagem onde árvores
parecem surgir do meio da água. Peixes agora nadam entre as
árvores. Fazer trilha agora, só é possível de barco.
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Interior de um igapó no período de águas altas |
A situação imaginada acima acontece de verdade na Amazônia onde
vemos esta acentuada variação do nível d´água. Os estudiosos deste fenômeno
elaboraram um conceito para explicar esta variação e outros aspectos
relacionados a ela, chamado de pulso de inundação. Durante a
enchente, o rio inunda suas áreas marginais (sua planície de inundação),
criando verdadeiras florestas inundadas. Essa inundação é
sazonal, ou seja, acontece todo ano de forma periódica, assim como as estações
do ano. Na verdade, o pulso de inundação acontece em todos os lugares onde há enchentes
periódicas, mas na Amazônia ele se torna especial pois ainda há muita
floresta preservada, e a maior parte dos seus rios não está controlada por
barragens.
Nas planícies de inundação é comum a existência de lagos.
Estes lagos também estão sujeitos ao pulso de inundação quando, entre outras
coisas, a sua profundidade também varia bastante ao longo do ano. O efeito
sobre estes lagos depende de sua forma e posição em relação ao rio influencia
todos os organismos que vivem naquele lago, além do metabolismo do sistema. Por
metabolismo, entendemos todos os processos ecossistêmicos que ali acontecem,
tais como a respiração, decomposição, produção
primária (fotossíntese) e os ciclos
biogeoquímicos de forma geral. Por exemplo, a
produção primária do fitoplâncton (algas muito pequenas que
vivem na água) é maior no período de águas baixas. Na fase
de águas altas, o pulso de inundação tem um efeito
homogeneizador sobre os lagos da planície, ou seja, a água do rio que inunda os
lagos cria uma conexão entre eles, o que faz com que nestes períodos eles sejam
mais similares entre si.![]() |
Árvores submersas no período de águas altas |
A parte da floresta que é inundada pelo pulso de inundação é diferente da
floresta que não é inundada nunca (chamada de mata de terra firme),
pois as plantas precisam de adaptações especiais para sobreviver alguns meses
do ano embaixo d’água, parcialmente ou totalmente. Essa floresta que fica na
planície de inundação dos rios é chamada de Igapó ou Várzea,
dependendo do tipo do rio em que ela se encontra. A invasão da água do rio
sobre a mata alagada significa que nestes períodos há uma troca de materiais
entre o ambiente aquático e terrestre. Afinal, em que outro local há um contato
tão íntimo entre uma floresta e um rio?
Durante a época das águas baixas, as árvores da mata alagada crescem e se
reproduzem, além de este ser o período em que as sementes germinam. Já na
cheia, as árvores reduzem ou param o crescimento, e ficam como que esperando a
água baixar para terem melhores condições novamente. Porém, é no período de
cheia que ocorre a dispersão das sementes, ou seja, nesta época as sementes
caem das árvores e são levadas pela água ou pelos peixes para outros locais
onde elas podem ter mais chance de germinar e sobreviver até a idade adulta.![]() |
Margem do rio Trombetas (Pará), nos períodos de águas altas e águas baixas |
É interessante notar a influência, ou seja, o efeito, do pulso de inundação
sobre os animais aquáticos. Por exemplo, os peixes se locomovem pelos rios e
lagos da região, e em águas altas eles procuram abrigo e alimento no igapó,
comendo sementes e até sendo predados por outros peixes, tudo isso por entre as
árvores. O zooplâncton
tem sua densidade aumentada em períodos de águas baixas e densidade diminuída
em períodos de águas altas. Conforme a água do lago sobe, a densidade do
zooplâncton diminui, e sua riqueza (quantidade de espécies) aumenta, por causa
das espécies que chegam conforme a água sobe, e o efeito contrário acontece
quando o nível da água abaixa.
Um fato interessante é que a água sobe durante o período das chuvas, porém
uma das principais causas desta variação é o degelo dos Andes, onde parte dos
rios amazônicos nasce. Desta forma, a floresta amazônica está intimamente
ligada aos Andes. Por sua vez, o pulso de inundação é tão
importante para os ecossistemas aquáticos sujeitos a ele que os rios, lagos e
florestas que sofrem seus efeitos não podem ser vistos como meros rios, lagos e
florestas comuns. O efeito do aumento e diminuição do nível d’água, aliado à
mudanças na conectividade e à interação com o ambiente terrestre adjacente faz
com que o pulso de inundação seja uma grande força nestes ambientes, e também
em todos os seres vivos que lá vivem....................
No Laboratório de Limnologia desenvolvemos pesquisas em ambientes aquáticos amazônicos, estudando a estruturação de comunidades e processos ecossistêmicos nos rios e lagos da região. Estes estudos estão vinculados aos projetos “Estudos Limnológicos no Lago Batata e Igarapés da Flona Saracá-Taquera, PA” e “Biogeoquímica do Carbono e Mercúrio na Bacia Amazônica“
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Fonte: Laboratório de Limnologia/UFRJ
16 de maio de 2013