Água da Amazônia e a crise de São Paulo
A crise de falta d´água em São Paulo e outras cidades do Brasil deve
ser analisada com profundidade. Não estamos diante de um simples problema de
chuvas abaixo da média histórica. Estamos diante de uma crise estrutural que
requer uma reflexão profunda e mudanças de rumo na maneira com que lidamos com
o recurso mais precioso de que dispomos – a água.
Convém
lembrar de alguns fatos importantes: (i) 2/3 do nosso corpo é formado de água –
90% no caso dos bebês, (ii) não conseguimos
sobreviver sem água, (iii) a água de baixa qualidade é responsável por boa
parte dos problemas de saúde da população – especialmente a de baixa renda,
(iv) os igarapés, rios e lagos estão sendo poluídos em escala alarmante e não
sustentável na maior parte dos países e (v) a escassez d´ água é um problema
que se agrava em quase todo o mundo.
A análise de um tema de
tamanha importância e complexidade merece atenção de todos. O pequeno espaço
disponível aqui, obriga-me a focar em apenas algumas facetas desse tema.
Limitar-me-ei, portanto, a seguinte questão: o papel da Amazônia como mega
bomba d´água nacional está sendo adequadamente considerado no Brasil?
A
resposta simples é: não. A maior parte dos formuladores de políticas públicas
ainda desconhece o óbvio. A Amazônia tem um papel importantíssimo para o regime
de chuvas de quase todo o território nacional, especialmente no sul, sudeste e
centro-oeste do país. As florestas amazônicas processam a chuva que recebem do
Oceano Atlântico e retornam vapor d´água para a atmosfera. Essa umidade segue
para o sul, na forma de “jatos da baixa altitude” ou, na linguagem mais
coloquial, “rios voadores”. O vapor d´água transportado pelos rios voadores
para essas regiões precipita na forma de chuva quando encontra frentes frias ou
outras condições climáticas favoráveis.
Isso é
um serviço ambiental prestado pela Amazônia ao resto do Brasil – e países
vizinhos. O problema é que esse serviço é grátis e não é devidamente valorizado
economicamente.
Vale
fazer um exercício mental simples: o que aconteceria se a floresta amazônica
fosse destruída em 30, 50 ou 100%? Uma tragédia. Existem estudos científicos
mostrando que a redução das florestas pelo desmatamento alteraria o regime de chuvas de várias
regiões do Brasil. Obviamente, isso traria graves prejuízos para o
abastecimento d´ água de grandes cidades,
para a produção agropecuária e a para a produção de energia hidroelétrica. Não
seria mais inteligente valorizar economicamente os serviços ambientais providos
pela floresta? Isso contribuiria tornar a floresta mais valiosa em pé do que
derrubada e com isso reduzir o desmatamento – conceito que defendo há mais de
uma década.
Creio
que deveríamos aproveitar a atual crise de abastecimento d´água de São Paulo
não apenas para conscientizar o restante do Brasil sobre o papel da Amazônia
nessa equação. Deveríamos ir além e propor medidas práticas para valorizar
economicamente a floresta. A primeira e mais estratégica é fortalecer o
argumento pela prorrogação da Zona Franca de Manaus (ZFM) por mais 50 anos.
Essa prorrogação deveria ser acompanhada por uma estratégia de maior envolvimento
ativo das empresas do Polo Industrial de Manaus (PIM) em
programas e projetos voltados para a proteção e o uso sustentável da floresta.
A segunda e mais ousada é criar um mecanismo direto de pagamento à Amazônia
pelos serviços ambientais providos ao restante do Brasil. Uma fórmula simples
seria destinar 1% de toda a tarifa de energia e água potável de todo o país
para um fundo de pagamento pelos serviços ambientais da Amazônia. Essa
proposta, formulada pelo Senador Eduardo Braga ao Código Florestal quase conseguiu aprovação no Congresso
Nacional.
Necessitamos
de uma grande união de parlamentares, governos estaduais e lideranças da sociedade civil da Amazônia na defesa da
valorização dos serviços ambientais providos pela Amazônia ao Brasil e ao mundo.
A crise d´ água em São Paulo e em outras cidades brasileiras cria uma
circunstância favorável para isso.
* Virgílio
Viana é
superintendente geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e coordenador da
rede SDSN-Amazônia.
** Publicado originalmente no Jornal Diário do Amazonas, em 24
de abril de 2014 e retirado do site Mercado Ético.
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