CUIA PITINGA: UTENSÍLIO E ARTE NA AMAZÔNIA

A cuia é, o utensílio mais necessário na casa cabocla e, muitas vezes, na cidade, grande é a sua serventia tanto como prato e copo, xícara e vasilha para guardar alimentos, como para carregar água (outro líquido qualquer) no momento do banho, da lavagem da casa, etc.
Minha bisavó Maria tinha-as de todos os tamanhos para tomar o cafezinho, o mingau, o açai, a mujica, o caribé... O resto, isto é, pratos, copos, baixelas ou cristais "era coisa de branco besta" (como se ela branca não fosse), consoante ela dizia. E, ai de quem desdissesse a velha! Da minha parte, açai, mujica, caribé e mingau gosto de tomar na cuia e, em casa alheia, simplesmente recusei porque me serviram em louça fina. Houve quem me chamasse de mal-educada. Paciência! É o meu paraensismo e estamos conversados!
De onde elas vêm ? De uma árvore chamada "cuiainha" pelos nativos; "cuieira" pelos portugueses e por todos nós e pelo pomposo nome de "crescentia cuyté" pelos naturalistas.
Há dois modos de serem os frutos aproveitados: em cuias lisas ou de gomos. Estas últimas são mais difíceis de se encontrar não só porque dão muito trabalho, como, também, porque apenas uma das partes é aproveitada, de sorte que a grande afluência é de cuias lisas. Prepará-las é uma rica ciência. Vamos lá!
O fruto é dividido em duas partes, utilizando-se uma pequena serra, ou, ainda riscando-se a casca com a ponta de uma faca e, depois, a faca sobreposta ao traçado vai-se batendo-a com um martelo até completar a operação. Divididas as metades, todo o miolo é retirado com cuidado de modo a cuia ficar bem lisinha. Depois ela é posta ao sol para enxugar por um dia (no verão) ou dois (no inverno). Ao estarem bem secas as partes, começam os preparativos do lado externo. A casca da cuia é de natureza vidrina e para que, no momento da pintura não haja rejeição das tintas se utilizam dois processos: ou a cuia fica de molho por uma semana ou é fervida, para que amoleça rápido e possa prontamente ser raspada. Esse mister é procedido ou com um pedaço de cós ou, ainda, com uma pedra-pomes para o alisamento completo da casca. Para finalizar a operação e dar o polimento é utilizada a escama do pirarucu, uma lixa natural, interna e externamente e, após, com a folha do caimbé, para que a cuida adquira um lustro perfeito. Em seguida ela é lavada e, sem a enxugar, pulverizam-na com tapecu (fuligem) feita com a casca e a entrecasca da uteira. Há quem use, igualmente, a fuligem do breu que dá à cuia um tom preto avermelhado; o tapecu, ao invés, dá a cor preta, pura.
A cuia, depois de tisnada e bem esfregada com as mãos, ainda molhada, vai secar ao sol, por mais ou menos 12 horas e tão logo esteja completamente enxuta, torna-se a molhá-la e a esfregá-la com a resina do cumatê que é obtida da casca da árvore do mesmo nome, imprescindível para que o vasilhame fique perfeito para uso.
Finalmente, antes da pintura, as cuias vão à "puçanga", significando isto emborcá-las por uma duas horas em uma camada de areia impregnada de urina humana choca. Depois, ela é desemborcada e permanece assim, no meio da areia urinada, para que fique ainda mais fixado o fundo preto, como, também, lustrar o verniz do cumatê. Logo após as cuias são lavadas com água de jipioca (uma espécie de sabão vegetal) para que fiquem bem limpas e, uma vez enxutas, voltam, de novo, à areia. Esta operação é repetida por 4 a 5 dias, até adquirirem o brilhoque apresentam no fundo preto. Depois, são pintadass, utilizando-se tintas naturais: o curi, a tabatinga, o tauá, o anil e o urucu. Os nativos utilizam, à guiza de pincéis, plumas de saracura, de jacamim ou da garça branca. Para fazer o acabamento rendilhado, valem-se de espinhos pontiagudos de jamacaru (cacto) ou da palmeira patauá. A bem da verdade, hoje, já é mais raro proceder como acima indicado. A variedade de tintas, vernizes e pincéis é muito grande. A modernidade ajuda o lado dos nativos. Há, ainda, quem utilize o processo antigo, mas somente por encomenda pois as cuias assim tratadas são mais caras.
As pinturas são variadas: paisagens, poentes, noites enluaradas, pássaros, personalizadas, enfim, há para todos os gostos e tamanhos.
Verdadeiros mimos, tudo feito com extremo esmero, autênticas obras de arte  popular, as cuias de transformaram em objeto de coleções, além dos variados fins de seu uso cotidiano.
Um gosto de se ver! Melhor, de se ter, seja onde for!
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