Do uso competitivo ao uso sustentável da água
Maurício Antônio Lopes
Presidente da Embrapa
Água é mistério e dádiva. Mistério porque a
ciência ainda não conseguiu desvendar de onde ela veio. Alguns acreditam que a
água chegou ao nosso planeta por meio de corpos celestes que aqui caíram ao
longo de milhões de anos. Nada comprovado, e o mistério permanece.Presidente da Embrapa
E a água é uma das maiores dádivas que o
planeta nos concede. Este precioso líquido cumpre variadas e complexas funções,
sendo a mais nobre prover condições para a realização da enormidade de reações
químicas e processos biológicos que sustentam a teia da vida.
Além disso, a água é componente fundamental
da paisagem e do meio ambiente, com impactos sobre o nosso bem-estar espiritual
e físico. São inúmeras as suas utilidades para a sociedade: abastecimento
doméstico e industrial, produção de alimentos e fibras, dessedentação de
animais, geração de energia, transporte de pessoas e cargas, recreação e
turismo e preservação da biodiversidade. Além da função essencial de limpar o
nosso corpo, nossas casas e cidades dos resíduos que geramos.
A água faz parte de uma rede de
interdependências nem sempre percebida ou valorizada. Sua escassez impacta a OFERTA
de alimentos, de energia, de saúde e
de mobilidade, como se vê no noticiário recente. E como é recurso finito, preocupações
relacionadas à competição pelo seu uso crescerão de forma proporcional ao
aumento de sua demanda pela sociedade.

Apesar de abrigar 12% das reservas de água
doce do planeta, o Brasil convive com situações preocupantes de escassez. A
seca que penaliza o Semiárido Nordestino há décadas e o severo déficit de
precipitações que no momento aflige a Região Sudeste nos impõem um desafio. De
aprimorarmos o manejo e o uso sustentável dos recursos hídricos no Brasil, em
lugar de nos conformarmos com a escassez ou com o acirramento da competição
pelo seu uso no futuro.
A primeira urgência é a ampliação da
comunicação, em busca do diálogo e do entendimento sobre as melhores práticas
na gestão dos recursos hídricos. A agricultura tem sido apontada como uma
das vilãs da crise hídrica, suposta consumidora de 70% das reservas de água.
Crítica injusta, pois esse percentual, bastante usado internacionalmente, não
encontra sustentação na realidade brasileira. A nossa agricultura não compete
com as cidades por água tratada. Ela apenas toma emprestada da natureza a água
da chuva, que iria aos rios e oceanos, e a devolve limpa, com a evaporação,
transpiração e infiltração no solo. É claro que cidades e fazendas podem
melhorar a eficiência no uso das águas. Mas demonizar a produção de alimentos
em função da crise hídrica só nos trará mais problemas.
Outra urgência é ampliar a capacidade de
armazenagem de água na abundância de chuvas e garantir sua OFERTA
nos períodos de escassez. Com mais
reservatórios, em pontos estratégicos, poderíamos ampliar a prática da
irrigação, ainda pouco utilizada no Brasil. Além de ampliar a produção de
alimentos, a irrigação pode cumprir outro nobre papel - reduzir o nível das reservas
ao longo do período seco, fazendo das represas, açudes e lagos uma bateria de
amortecedores para mitigar os efeitos das enchentes, que tanto dano têm causado
com o aumento de eventos climáticos extremos.

Precisamos, ainda, mobilizar todo o arsenal
tecnológico disponível para harmonização da relação água-energia-alimento. A
Embrapa tem disseminado tecnologias de baixo custo para construção de pequenas
barragens para captação de enxurradas, que promovem a infiltração da água no
solo, reduzindo a erosão e elevando o lençol freático. E precisamos ampliar a
adoção de sistemas de irrigação que otimizem o uso de água e energia, além de
práticas conservacionistas que protejam o solo e reduzam evaporação. Florestas
plantadas, cultivos e pastagens bem manejados podem contribuir para a
conservação da água, pelo solo, mitigando os efeitos negativos decorrentes da
grande dispersão entre precipitações das estações chuvosa e seca.
Por fim, é preciso superar o mito da
abundância. Cerca de 80% da água doce do Brasil está na região amazônica; os
outros 20% abastecem larga extensão do território brasileiro onde habita 95% da
população. O avanço do processo de urbanização nos força a discutir o impacto
das cidades na poluição dos nossos recursos hídricos e na ampliação do uso
insensato da água. Descarregar esgoto não tratado nos rios ou lavar carros e
calçadas com água tratada precisam se tornar coisas do passado.
A crescente escassez hídrica indica que não
estamos diante de um desafio trivial. O aumento da consciência coletiva
para o uso sustentável da água se tornou uma questão de sobrevivência.
Artigo publicado na edição do dia 8/03/2015
do jornal Correio Braziliense
Secretaria de
Comunicação da Embrapa - Secom
Fonte:
https://www.embrapa.br/busca-de-noticias/-/noticia/2545157/artigo---do-uso-competitivo-ao-uso-sustentavel-da-agua
Imagens: Embrapa
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