Iguarias da floresta
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Os frutos da
pupunha ou pupunheira (Charles
Clement)
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Por: Carlos Alberto Dória e Ima Célia Guimarães Vieira
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Quando as motosserras ferem a madeira, muitos ecologistas gritam contra o
fim da mata virgem. Mas a ‘mata
virgem’ (floresta ‘primitiva’) não existe, e as evidências disso
vêm de diversos estudos sobre atividades
de antigas populações humanas antes do surgimento da agricultura, publicados justamente no momento em que gourmands do mundo
inteiro dirigem olhos cobiçosos para
produtos da floresta. Um deles, o chef espanhol Ferran Adrià, apontado como
um dos melhores do mundo,
já disse acreditar que o futuro da gastronomia está na China e na floresta
amazônica.
Os dados
já existiam, apurados por arqueólogos
e antropólogos brasileiros, mas só mais recentemente o conceito de floresta ‘primitiva’ foi substituído por floresta ‘cultural ou manejada’, resultante do manejo humano milenar. Em outubro de 2009, foi lançado um número especial da revista científica Current Anthropology, intitulado ‘Repensando as origens da agricultura’, que descreve o mundo pré-agrícola, anterior à domesticação e ao cultivo de plantas em larga escala, hábitos que –
por volta de 10 mil anos antes do presente – impulsionaram a civilização.
Essa nova perspectiva é uma
revolução intelectual, pois agora se admite
que, antes da agricultura, existia
algo que não era apenas caça, coleta e pesca, correspondentes à imagem idílica do
paraíso em que era preciso apenas ‘colher’ o que a natureza oferecia.
Sofisticação cultural
Estima-se que os humanos
chegaram à Amazônia há mais de 13 mil
anos. Como eles viviam? O antropólogo
Carlos Fausto, do Museu Nacional, no livro
Os índios antes do Brasil, já havia mostrado como
eram falsas as ideias de que, além do império inca, não existia sofisticação
cultural nas terras baixas da
Amazônia.
Aldeias cercadas, com
até 5 mil pessoas, ligadas a outras
por largas estradas; pomares onde se cultivava mandioca, pequi e outras plantas; lagos onde se criavam tartarugas: assim era a sociedade
do alto rio Xingu há milênios, antes da existência dos atuais povos indígenas da
região.
Sabe-se
hoje, porém, que a domesticação das espécies vegetais nas Américas não teve
apenas um centro de difusão. Tão cedo quanto no sudeste da
Ásia, aqui também o homem já manipulava vegetais: o milho, várias abóboras,
araruta, mandioca, inhame, amendoim, batata-doce, feijões. Isso entre 10 mil e 7 mil
anos antes do presente, no planalto
mexicano, no sudeste do Equador
e em vários lugares da América do Sul.
Seleção artificial
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A terra preta de índio (foto: Urano Carvalho)
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A mandioca provavelmente foi domesticada
no território entre Rondônia, Acre e
Mato Grosso, há cerca de 5,5 mil anos.
Apenas nessa região são encontrados
vestígios da forma selvagem da planta. Outros estudos atribuem a difusão do
milho pelo Brasil também a partir do
Acre, levado pelos tupi-guaranis até o
Sudeste e o Sul. Esse movimento deve ter se concluído entre os anos 1000 e 1500.
A produção de
alimento, segundo a nova perspectiva
arqueológica, não se restringe à capacidade de
produzir e estocar excedentes. Ela considera o manejo dos ciclos reprodutivos das
plantas em coevolução com os grupos
humanos.
Talvez o achado mais importante, na Amazônia, seja a
chamada terra preta arqueológica (TPA)
ou ‘terra preta de índio’: um solo rico, criado pela ação de grupos humanos ancestrais que viveram na
região amazônica. Em processo não intencional, essas populações, ao redor de
seus ajuntamentos, concentravam detritos,
carcaças de animais e restos vegetais,
o que tinha resultado semelhante ao de uma adubação.
A Amazônia brasileira está repleta dessas
manchas de ‘terra preta’, espalhadas pelo traçado de
muitos rios. Sobre esses solos se desenvolveu
uma forma peculiar de cultivo.
O arqueólogo Marcos Magalhães, do Museu Goeldi, confirma: “Além das evidências
de que a área foi densamente povoada no passado, há evidências
botânicas, como castanhais com espécimes alinhados, associados ao cacauí (Theobroma speciosum),
nos quais as árvores mais antigas alcançam 500 anos de idade. O platô Aviso (na Floresta Nacional Saracá-Taquera,
no Pará) tinha grande quantidade
de árvores frutíferas (em especial
pequiá, taperebá e abricó-de-macaco),
que serviam de alimento para inúmeros
animais de caça, principalmente na
estação das chuvas, constituindo importante reserva de recursos vegetais e proteína animal, de fácil acesso e controle”.
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Carlos
Alberto Dória
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas e
Centro de Cultura Culinária Camara Cascudo
Ima Célia Guimarães Vieira
Museu Paraense Emilio Goeldi
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas e
Centro de Cultura Culinária Camara Cascudo
Ima Célia Guimarães Vieira
Museu Paraense Emilio Goeldi
Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
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Fonte:
http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2013/310/iguarias-da-floresta
Publicado em 02/01/2014 | Atualizado em 02/01/2014