Paisagem da Amazônia mostra ambiente alterado pelos povos antigos, afirma estudo



Trabalho de revisão compila dados sobre plantas, solo e pesquisa de campo arqueológica.
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A paisagem da Amazônia – que se pretende preservar como um ícone da natureza intocada – foi profundamente influenciada pelos humanos que habitaram a região desde dois mil anos atrás. Essa é a principal conclusão apresentada no artigo de revisão “The domestication of Amazonia before European conquest”, publicado na edição de 7 de agosto da revista Proceedings of the Royal Society B, editada no Reino Unido. Entre os autores, inclui-se o arqueólogo Eduardo Góes Neves, professor do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.
O texto compila dados levantados nas últimas duas décadas para explicar por que a ocorrência de uma variedade de espécies de plantas úteis aos seres humanos e de um tipo de solo conhecido como terras pretas de índio nos sítios arqueológicos é considerada uma forte indicação de que as sociedades da Amazônia antiga intervieram no ambiente onde viveram. Assim, muitas seções da floresta, tidas como intocadas, foram domesticadas por ancestrais dos atuais povos tupi, aruak e karib, e de grupos menores, como os pano e os tukano.
De acordo com a revisão, as intervenções na floresta permitem estimar uma população de oito a dez milhões de pessoas vivendo na região na época em que Cristóvão Colombo chegou à América. A população antiga da Amazônia se dividia em grupos com modos de vida e arranjos políticos variados. Esses arranjos teriam desaparecido devido a doenças trazidas pelos europeus e à pressão exercida pela conquista.
O artigo é importante por contribuir para o debate internacional travado entre arqueólogos e ecólogos sobre a ocupação da Amazônia. “Essa revisão traz para um público principalmente de língua inglesa e que não lê português informações para eles desconhecidas, mas que já circulam há anos na comunidade de arqueólogos e antropólogos que trabalham na Amazônia”, diz Eduardo Góes Neves. As conclusões acompanham a tendência predominante entre arqueólogos, mas despertam controvérsia entre ecólogos, particularmente dos Estados Unidos e da Europa. Os ecólogos vêem com ressalvas a idéia de que populações anteriores à conquista européia produziram alterações em escala continental na paisagem amazônica.
 Um dos pontos em disputa entre os dois grupos é a hipótese dos arqueólogos de que os povos antigos modificaram a configuração das florestas da região por meio do cultivo e do manejo de determinadas espécies de plantas. Um caso especial é o da castanha do Pará. “É comum encontrar castanheiras em sítios arqueológicos. Os dados mostram que uma castanheira pode viver 500 anos, ou até mais, e sabemos que só humanos e cotias dispersam castanhas. Além disso, uma castanheira jovem, para se desenvolver, tem que ser plantada em um lugar onde receba bastante sol. Por isso, nossa hipótese é que a distribuição atual das castanheiras, que tem uma escala quase continental na Amazônia, resulta de práticas de manejo de populações indígenas do passado”, explica o professor do MAE.
Tanto as atividades agrícolas quanto as “urbanas”, realizadas nas aldeias, deixaram marcas no solo, como as terras pretas de índio que aparecem como manchas nos sítios arqueológicos. É um solo escuro e muito fértil, que cientistas da área classificam como antropogênico. Ou seja: um solo que se origina a partir de intervenção humana, pelo depósito de resíduos de fogueiras, por sepultamentos, lixeiras. Essas manchas de terra preta estão concentradas nos morros às margens dos rios, nos níveis mais altos das planícies de inundação e nas áreas elevadas entre os vales. “Nós sabemos hoje que as terras pretas de índio foram formadas por atividade humana há pelo menos 2.500 anos”, diz Neves. Os pesquisadores fazem a datação a partir da análise de vestígios orgânicos carbonizados, como carvões, sementes e madeiras. Em alguns casos, também datam o solo a partir de sua composição mineral.
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Publicado em Pesquisa, USP Online Destaque por Núcleo de Divulgação Científica da USP em .
Leia mais sobre a arqueologia da Amazônia na edição número 1.075 do Jornal da USP, que circula a partir de segunda-feira, 17 de agosto .
Silvana Salles / Núcleo de Divulgação Científica da USP
Editoria: Pesquisa, USP Online Destaque - Autor: Núcleo de Divulgação Científica da USP - Data: 13 de agosto de 2015


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