Um prêmio à pioneira da agroecologia
TÂNIA
RABELLO , ESPECIAL PARA O ESTADO - O Estado de S.Paulo
A agrônoma Ana Primavesi luta há 65 anos pela vida
dos solos; em setembro, receberá o principal prêmio mundial da agricultura
orgânica
A
modéstia permeia as declarações da engenheira agrônoma Ana Primavesi quando ela
se refere ao One World Award - o principal prêmio da agricultura orgânica
mundial, conferido pela International Federation of Organic Agriculture
Movements (Ifoam). Neste ano, foi ela a escolhida para receber a homenagem, na
Alemanha.
"Eles
distribuem o prêmio entre os vários continentes. Agora, foi a vez da América do
Sul", comenta uma das precursoras do movimento orgânico no Brasil.
"Estão me premiando por toda parte... Não sei para que isso",
acrescenta, quase encabulada.
E ouve,
em seguida, que a homenagem que receberá no dia 14 de setembro, com a
participação de mais de mil pessoas, entre elas a vencedora do prêmio Nobel
Alternativo da Paz, a indiana Vandana Shiva, é mais do que merecida, pelo
trabalho que vem fazendo, há 65 anos, pela agricultura ecológica, auxiliando
lavradores a tornarem suas terras produtivas e limpas, em harmonia com o
ambiente, eliminando o uso de agrotóxicos e adubos químicos.
"Pois
é... Pelo jeito...", sorri Ana Primavesi, que arremata: "Dizem que eu
inventei a agricultura orgânica. Conscientemente, não. A gente sempre trabalhou
dessa forma".
Impactos
positivos.
Instituído em 2008, o One World Award é conferido a cada dois anos a
ativistas da agricultura orgânica no mundo. São pessoas cujo trabalho impacte
positivamente a vida dos produtores rurais.
Em 2008,
quem ganhou o prêmio foi o veterinário e professor alemão Engelhard Boehncke,
por suas práticas e estudos em relação à criação orgânica de animais. Há dois
anos, foi a vez do indiano pioneiro em agricultura orgânica Bhaskar Salvar,
que, logo no início da década de 1950, contrapôs-se à Revolução Verde - que
inaugurou o uso de adubos sintéticos e agrotóxicos nas lavouras -, ensinando
agroecologia aos produtores, com o uso de fertilizantes orgânicos, a manutenção
da vida no solo e o fortalecimento das plantas por meio de um ambiente
equilibrado.
Neste
ano, Ana Primavesi será a agraciada. Aos 92 anos, austríaca naturalizada
brasileira, formada pela Universidade Rural de Viena, é Ph.D. em Ciências
Agronômicas e especializada em vida dos solos. Publicou vários artigos
científicos e livros sobre o assunto, mas um deles, Manejo Ecológico do Solo
(Editora Nobel, 552 páginas, reeditado mais de 20 vezes), é uma das bíblias da
produção orgânica e leitura obrigatória nas faculdades de Agronomia do País.
A obra é
citada no livro Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos, de Francis Chaboussou,
no qual prova que pragas e doenças não atacam plantas cujos sistemas estejam
equilibrados. E que são os adubos químicos e os agrotóxicos que atraem os
parasitas, gerando um ciclo de dependência, com nefastas consequências para o
planeta.
Preservação.
Desde 1947, quando iniciou sua vida profissional, e por meio de aulas na Universidade
Federal de Santa Maria (RS), Ana Primavesi vem batendo na tecla da preservação
da vida no solo. Em aulas, palestras, conferências, debates, assistências
técnicas diretas aos produtores rurais e a suas associações, a engenheira
agrônoma repete frases que se tornaram mantras.
E quem as
coloca em prática vê os resultados na produção, na preservação e na saúde de
quem planta e de quem consome os alimentos agroecológicos: "O segredo da
vida é o solo, porque do solo dependem as plantas, a água, o clima e nossa
vida. Tudo está interligado. Não existe ser humano sadio se o solo não for
sadio e as plantas, nutridas."
Observação.
Tanto que a primeira coisa que ensina aos agricultores que a procuram é olhar
para a terra. "Se o solo tem uma boa estrutura, o agricultor tem grande
chance de modificá-lo e convertê-lo para a agricultura orgânica", diz.
"Terra com boa estrutura forma grumos, que nada mais são que o
entrelaçamento de microrganismos que conferem vida ao solo e saúde às plantas,
além de permitirem a infiltração da água. Em solos compactados e sem vida, água
vira enxurrada e provoca erosão."
Ana
Primavesi lembra que uma planta precisa de no mínimo 45 nutrientes para se
desenvolver e produzir de forma saudável. "A agricultura convencional dá,
no máximo, 15 desses nutrientes para as plantas. E nem sempre esses 15
nutrientes são integralmente ministrados às lavouras convencionais", diz.
O
resultado são plantas deficientes nutricionalmente e frágeis aos ataques de
pragas e doenças, dependentes, portanto, do uso de agrotóxicos.
É
justamente a maneira de devolver esses nutrientes ao solo que Ana Primavesi
ensina aos agricultores. Ela lembra de agricultores na cidade de Diamantina, em
Minas Gerais, que há cerca de 15 anos a procuraram porque já não conseguiam produzir
com o pacote convencional.
"Eles
estavam a desanimados, quase falindo, porque a cada ano a terra respondia menos
às adubações", conta. "Começamos a melhorar o solo e a qualidade dos
nutrientes, passando a aplicar adubações orgânicas", continua. "Demorou
uns quatro a cinco anos, mas agora eles produzem com fartura. Há uns anos
voltei lá e vi como estavam felizes com a produção orgânica", conta Ana,
ressaltando que a recompensa sempre vem. "O problema é que ela não é
rápida, e muitos desistem."