Tráfico de Animais Silvestres
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Borboleta de restinga - Amazônia |
Um dos
maiores problemas ambientais da atualidade em todo o mundo é a questão do
tráfico de animais silvestres, que consiste na retirada ilegal dessas espécies
da natureza para posterior negociação no mercado interno ou externo. A cada ano
um número absurdo de animais é pilhado do meio ambiente natural no Brasil e na
maioria dos outros países para serem vendidos como mercadoria.
De acordo
com a Organização das Nações Unidas (ONU), o tráfico de animais silvestres é a
terceira atividade ilícita mais lucrativa do planeta, perdendo apenas para o
tráfico de drogas e para o tráfico de armas. A Rede Nacional de Combate ao
Tráfico de Animais Silvestres (Renctas) estima que o tráfico de animais silvestres
movimente mundialmente cerca de pelo menos dez bilhões de dólares por ano.
O Brasil
ocupa um lugar de destaque na questão do tráfico de animais silvestres chegando
a movimentar aproximadamente quinze por cento desse comércio ilícito, o que
equivaleria a mais de um bilhão de dólares por ano. Em parte a razão disso é
que, por ser o detentor da mais rica biodiversidade do planeta, o país é
naturalmente o mais visado por esses traficantes.
A
participação brasileira nesse comércio ilegal corresponde aproximadamente ao
mesmo percentual de biodiversidade que o país possui, visto que cerca de quinze
por cento de todos os seres vivos catalogados no planeta estão no Brasil. O
país é o primeiro na classificação mundial de espécies em números de primatas,
borboletas e anfíbios, sendo muitas dessas espécies endêmicas ou somente
encontráveis aqui.
O caput
do art. 1º da Lei nº 5.197/67 (Lei da Fauna) define fauna silvestre como
“os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento que
vivem naturalmente fora do cativeiro”. Segundo o § 3º do art. 29 da Lei nº
9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais), “são espécimes da fauna silvestre todos
aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas
ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro
dos limites do território brasileiro, ou em águas jurisdicionais brasileiras”.
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Acará-disco |
Diferentemente
do animal doméstico, como gatos, cachorros, galinhas e porcos, o animal silvestre
não se acostuma com a presença humana. Quando retirado do seu habitat natural
ele reage negativamente à presença humana, passando inclusive a ter dificuldade
de se desenvolver e de se reproduzir em cativeiro. Araras, aves, borboletas,
camaleões, cobras, jabutis, onças, papagaios, peixes e tartarugas são exemplos
de animais silvestres.
O caput
do art. 1º da Lei nº 5.197/67 proíbe a utilização, perseguição, destruição,
caça ou apanha do animal silvestre bem como de seus ninhos, abrigos e
criadouros naturais. O caput do art. 29 da Lei nº 9.605/98 determina a
pena de detenção de seis meses a um ano e multa para o crime de “Matar,
perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em
rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade
competente, ou em desacordo com a obtida”.
O tráfico
de animais silvestres é uma apropriação indevida de um patrimônio que pertence
ao Poder Público e à sociedade, já que o caput do art. 1º da Lei nº
5.197/67 determina que o animal silvestre e os seus ninhos, abrigos e
criadouros naturais são propriedade do Estado. A fauna silvestre é um bem de
uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, já que é assim que o caput
do art. 225 da Constituição Federal classifica o meio ambiente e os elementos
que fazem parte dele.
A
existência do tráfico de animais silvestres obedece a uma lógica ao mesmo tempo
paradoxal e perversa. Na maioria das vezes as pessoas adquirem um desses
animais para simplesmente se darem ao deleite de tê-lo em casa, ignorando as consequências
negativas que isso pode ter para o animal e para o meio ambiente. Há casos em
que o sujeito realmente acredita estar fazendo um bem ao próprio animal ao
criá-lo perto de si, achando que isso é uma demonstração de amor pelo mesmo.
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Jabuti |
Na
verdade, o simples fato de ser retirado do seu habitat natural é causa de
grande sofrimento para o animal silvestre, que muitas vezes paga com a própria
vida pelo prazer que alguns seres humanos possuem ao tê-los em casa. Ao sair do
seu meio ambiente natural esse animal desaprende a conseguir alimento, a se
defender dos predadores e a se proteger das situações adversas. O animal
silvestre perde as suas características naturais de tal maneira que
dificilmente sobreviveria ainda que libertado em um local adequado.
Normalmente
os animais silvestres não são cuidados da forma adequada, já que ficam em
espaços reduzidos e comem alimentos inapropriados, e pelo convívio com os seres
humanos estão sujeitos a doenças que para os animais são fatais, como é o caso
da gripe e do herpes. Por outro lado, existe o risco de ataques e de
transmissão de inúmeras doenças por parte desses animais em relação aos seres
humanos.
Algumas
estatísticas apontam que noventa por cento dos animais traficados morrem antes
de chegar ao seu destino final, principalmente devido às condições inadequadas
em que são transportados em ônibus e em carros particulares. Dessa forma, de
aproximadamente trinta e oito milhões de animais de seus ninhos e tocas, apenas
dez por cento chega ao seu destino.
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Arara-azul-de-lear |
Muitas
vezes os animais ficam escondidos em caixotes ou em malas sem iluminação e
ventilação, além de passarem dias sem tomar água ou ingerir qualquer alimento.
O traficante muitas vezes faz o animal ingerir drogas ou bebidas alcoólicas,
para fazê-lo parecer manso e torná-lo mais comerciável, e outras vezes ele o
mutila ou cega. Os pássaros têm as asas cortadas para não poderem fugir e têm
os olhos furados para não enxergarem a luz do sol e por consequência não
cantarem, o que despertaria a atenção da fiscalização, ao passo que outros
animais têm as suas garras e dentes serrados para se tornarem menos perigosos.
Isso desrespeita o inciso VII do § 1º do art. 225 da Constituição Federal, que
veda as práticas que provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais a
crueldade.
A pessoa
que adquire um singelo animal silvestre em uma feira livre como um papagaio ou
um galo de campina talvez não imagine que está alimentando a cadeia de um
negócio ilegal tão estruturado quanto o tráfico de drogas e que resulta em
crueldade e maus tratos contra os animais e em extinção da biodiversidade. Na
verdade, por conta da globalização e das altas cifras envolvidas o tráfico da
fauna silvestre se modernizou e passou a adotar as mesmas estratégias e rotas
do tráfico de drogas. Para se ter uma idéia, basta dizer que a
arara-azul-de-lear custa sessenta mil dólares, a jararaca-ilhoa custa vinte mil
dólares e a grama de veneno da cobra coral-verdadeira custa mais de trinta e um
mil dólares. É por isso que a própria máfia russa já foi acusada de
envolvimento com o tráfico internacional de animais.
Fonte: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1672
Informações Sobre o Autor
Talden
Queiroz Farias
Advogado
militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal
de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de
Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da
Paraíba
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Imagens:
rnpet.com.br
animais.culturamix.com