Moacir Gadotti e a sustentabilidade na educação





O pedagogo brasileiro Moacir Gadotti trabalhou na redação da Carta da Terra - tratado internacional que contém princípios éticos para a vida no século 21 - e defende seu uso nas escolas e universidades. Para o diretor do Instituto Paulo Freire e conselheiro do movimento Carta da Terra Internacional, o documento é uma ferramenta essencial para a transformação do mundo em um lugar justo e pacífico
Natália Mello
Planeta Sustentável - 21/04/2010
http://planetasustentavel.abril.com.br/ambiente/
Quando trabalhou ao lado de Paulo Freire – o maior especialista em educação que o Brasil já teve – o pedagogo Moacir Gadotti conheceu de perto a “Pedagogia do Oprimido”, segundo a qual o sistema de ensino impõe os valores das classes dominantes ao menos favorecidos. Hoje, é um ativista da educação para a sustentabilidade e afirma com ênfase que “o planeta é um grande oprimido”.

Com 42 títulos publicados, o educador lecionou na USP, Unicamp, PUC-SP e PUC-Camp, e hoje dirige o Instituto Paulo Freire – IPF*, que ajudou a fundar em 1992.

O IPF participou da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a Rio-92, quando surgiu a proposta de um tratado de ética que norteasse a criação de um mundo sustentável. “Faltava uma declaração que incluísse todos os seres do planeta - os humanos e os não humanos - e indicasse a melhor forma de relacionamento entre eles. A Carta da Terra, lançada em 2000, solucionou essa questão”, comenta Gadotti. (Conheça o texto integral da Carta e leia a entrevista com Mirian Vilela, diretora executiva do movimento internacional).

Durante o processo de redação da Carta, Gadotti ajudou a coordenar os textos relativos à educação e, hoje, é um dos conselheiros da organização Carta da Terra Internacional. No ano passado, o pedagogo foi um dos responsáveis pelo Guia para usar a Carta da Terra na Educação* (disponível para download em inglês, português e espanhol; ver link no final do texto). Sua vasta experiência com a Carta o levou a escreveu seu 43º. Livro - A Carta da Terra na Educação – que será lançado em maio, mas foi resenhado pelo Planeta Sustentável para sua Estante.

“No mundo, há cerca de 2.5 bilhões de estudantes. Se a Carta da Terra fosse adotada por todas as escolas, seria muito mais fácil melhorar o planeta”, afirma Gadotti, que nos recebeu para falar sobre como o documento pode ser aplicado na educação.

Qual é a importância da Carta da Terra para a educação?
A sustentabilidade foi eleita o conceito-chave na renovação da educação do século 21 pela UNESCO; e a Carta da Terra é reconhecida como o documento orientador dessa “Nova Educação”. É preciso deixar de lado a pedagogia da era industrial, que tem uma visão produtivista e exploratória do planeta. A Carta é um documento fundamental nesse processo de mudança de paradigma: a Terra tem de ser vista não apenas como um corpo astronômico, mas como um ser vivo.

Os educadores estão conscientes de seu papel nessa “Nova Educação”?
O nível de consciência dos educadores é muito melhor do que quando começamos a trabalhar a ideia da sustentabilidade na Rio 92. Naquela época, quem estava ligado a esse tema era chamado de chato e radical. Hoje, isso mudou e aqueles que não se preocupam com o tema são considerados alienados. Eu posso afirmar que a Rio 92 não trouxe todos os resultados que esperávamos, mas, do ponto de vista da conscientização, ela foi um marco.

Qual a melhor metodologia de aplicação da Carta da Terra?
Valores não se ensinam, eles são partilhados e construídos juntos. A metodologia deve ser não impositiva, sempre baseada no diálogo. A ideia é trabalhar pelo exemplo, seguindo aquilo que chamo de “contaminação virótica”. Os alunos vão se contaminando pela vivência, pela discussão e observação de experiências. A merenda escolar, por exemplo, é uma ótima maneira de ensinar sobre a origem dos alimentos, o uso da água, o desperdício e a questão do lixo.

Como é a aceitação do documento pelas crianças?
Elas são extremamente motivadas e têm muito mais sensibilidade que os adultos. Entendem a seriedade do tema, mas sem se assustar. Isso porque a Carta é um alerta que não é feito de forma catastrófica: ela traz soluções e esperança. E essa característica do documento tem tudo a ver com o espírito alegre e inventivo das crianças.

E quais são as dificuldades de implantar a Carta na educação?
Aqui no Brasil, principalmente, existe uma mentalidade muito forte de que são os governos que devem mudar o que está errado. Algumas crianças falam: “Mas quem tem que tirar esse lixo daí é o prefeito”. Então, trabalhamos para ensinar a eles que a mudança é social, mas também é pessoal. Todos somos responsáveis pelo planeta.

Além de despertar a consciência ecológica, o documento ajuda a formar crianças mais cidadãs, então...
Exato. Educar para a sustentabilidade é diferente de educar para a ecologia. A Carta da Terra também se refere aos direitos humanos. Conceitos como justiça social e econômica e paz estão contemplados. A Carta é importante para que se construa os princípios e valores do planeta e do ser humano. Ela mostra que é possível mudar a vida na Terra para uma vida mais digna para todos.

As diferenças culturais e religiosas – tanto entre alunos, como também professores - interferem no processo de educação?
O respeito à diversidade é um ponto muito forte do documento, que nos ensina a não só aceitar e reconhecer a diversidade, mas também a valorizá-la. Por outro lado, a Carta da Terra enfatiza o que todos os habitantes do planeta têm em comum. Temos que analisar primeiro o que nos une e não o que nos separa. A Carta é um grande consenso entre os povos.

Compare o uso da Carta na educação infantil, no ensino médio e universitário.
As crianças estão naturalmente mais abertas a novos conceitos, mas os valores são aplicáveis desde a infância até o doutorado. A Universidade de São Paulo utiliza conceitos de sustentabilidade em seu ensino desde a década de 1980.

Aqui no Brasil, cite um modelo exemplar de aplicação de Carta da Terra na educação.
Em Osasco, na rede ensino da prefeitura, o Instituto Paulo Freire desenvolveu um projeto chamado “Sementes de Primavera”. Nele, as crianças, com sua própria linguagem, desenham declarações de amor à terra, mostram como gostariam que fosse o bairro onde moram, visitam o entorno da escola e fazem uma “eco-auditoria”, identificando problemas, como lixo jogado no chão, e pensando nas soluções. Os projetos, em geral, são baseados em ideias simples. Eu acredito que as ideias revolucionarias são simples e fáceis de fazer.


18/06/2010

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